domingo, 15 de maio de 2011




Mens sana in corpore sano



No documento que formalizava sua admissão como agente do sistema prisional, o ex-policial Vargas assinou logo acima da data 8 de agosto de 2084. O documento deixava claro que ele fora designado para uma unidade carcerária especial, constituída de internos infectados na corrente pandemia do vírus letal.
Em seu primeiro dia de trabalho, Vargas foi escalado para auxiliar no banho de sol dos detentos. Conduziu alguns deles pelo corredor até o pátio onde já havia outros.
─ Ora se não é o policial Vargas!... Saudações. Mundo pequeno, hein...
O agente virou e viu um homem sentado no chão, escorado à parede. Não reconheceu de pronto quem o cumprimentava, tão pouco ficou surpreso, pois em anos de trabalho prendera dezenas. Também não respondeu, pois fora instruído a evitar assuntos supérfluos com os detentos. Permaneceu olhando friamente para o desconhecido até perceber algo que atestava suas suspeitas de que fosse um ex-réu: uma cicatriz no antebraço, muito comum em criminosos quando os chips ainda eram subcutâneos. Extrair chips era crime corrente, geralmente feito de forma primitiva. Consistia em rasgar a própria pele para tirá-lo no intuito de sequestrar alguém muito abastado para lhe arrancar o chip e introduzi-lo em si próprio. A partir daí, o raptor dava sumiço na vítima, passando a usufruir de seus créditos. Consistia tal ato infração multíplice de sequestro, falsidade ideológica e roubo. A implantação do chip subcutâneo na sociedade baniu o uso de papel moeda, cartões de crédito e documentos de identificação, reduzindo o número de assaltos. Mas na banda desajustada da sociedade havia indivíduos violentos ao ponto de realizarem sequestros relâmpagos com o intuito de abrir braços para roubar chips. Foram poucos, mas houve até casos extremos de amputações de braços.
Vargas não recordava exatamente o grau de periculosidade daquele indivíduo, mas não era dos extremos, eis que os mais violentos eram executados.
─ Não se lembra de mim? Fui acusado de tirar o chip depois de ser preso numa batida policial enquanto caminhava pela rua.
─ Todos aderem de bom grado às melhorias tecnológicas, mas há quem não consiga viver em sociedade. É natural que esteja aqui ─ observou Vargas, tentando desestimular moralmente o prisioneiro.
─ Não fiz mal a ninguém. Apenas eliminei a possibilidade de ser rastreado.
─ Porque quer evitar ser rastreado não soa idôneo.
─ Não há nada como a sensação de ir onde quer que seja sem precisar desabotoar a camisa ou arregaçar a manga para dar satisfação às máquinas.
─ O que o senhor chama de satisfação às máquinas, são esforços legítimos em prol da segurança pública.
O interno fixou o muro do pátio por um instante, avaliando o que responder.
─ Há muitas vozes em sua cabeça.
─ O que disse?
─ Apesar de terem colocado um chip dentro de nossas cabeças, nem tudo que se passa por elas pode ser captado. Você é vigiado por aquilo que fica matutando, aquilo que reforça neuroticamente a si próprio. Deixe de pensar por um minuto em seus deveres e ignore aquilo que foi condicionado a pensar que uma voz sutil lhe guiará.
─ Saia da frente! ─ brada o líder de um grupo de agentes que adentra o pátio para erguer bruscamente o interno que se dirigia a Vargas. Era uma batida.
─ Vire-se, rosto colado na parede! ─ ordenou o líder do grupo, enquanto atava os pulsos do detento. 
Enquanto um dos agentes rasga o macacão do interno na altura da pelve, outro calça luvas de borracha para revistá-lo melhor. Encontra um pequeno tubo metálico escondido em sua roupa interior.
─ O que é isto? ─ indaga o agente.
─ Tecnologia de retaguarda.
O pequeno tubo é passado a outro agente que o borrifa com spray esterilizante. Rosqueia-se a tampa do tubinho e a ponta de um rolinho de papel aparece. Desenrola-se o papelzinho. Há algo escrito nele, numa língua muito antiga.
─ Esse tipo de material não é permitido no Centro de Quarentena. Ainda mais com esse tipo de atitude anti-higiência.
─ Sei que não, por isso o escondi lá.
─ Agente Vargas! Pegue o material, traduza, e faça uma cópia. Depois jogue o original no incinerador da sala de profilaxia.
Enquanto conduzia o material a ser destruído, vargas ia lendo o conteúdo do papel:

Mens sana in corpore sano...






S.E.





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