sábado, 10 de março de 2012



Discurso do diretor da Sede Governamental



A vida clama pela vida, pela manutenção e reprodução de si. O instinto de sobrevivência é a força motriz do universo.

Assim iniciou a redação do discurso que proferia uma vez por mês em rede, ocasião solene em que todos paravam o que estivessem fazendo para ouvir o pronunciamento, fosse no trabalho, nas escolas ou na rua.
Avaliando o que escrevera, o diretor da Sede Governamental ficou satisfeito com a forma como iniciara. Tinha em mente que um bom discurso deveria ser abrangente. Ninguém de intelecto mediano, muito menos um governante poderia ignorar a relação entre política, ciência e espiritualidade. Tudo estava fundido. Continuou a escrever:

No passado, a admiração que o diamante despertava se devia ao fato de ser produto de milhões de anos de processos naturais. Mas, hoje, somos capazes de produzi-lo numa ínfima fração do tempo de que a natureza necessitaria. Devido a tanto, à transcendência do fator tempo nessa equação, o diamante natural perdeu boa parte do seu encanto. Não há mais como se gabar de possuir um baseado na aura numinosa conferida pelo deus Tempo. Mas o produto da engenharia genética é diferente. A vida humana não será desvalorizada, pois o instinto de sobrevivência a acompanhará eternamente, e a Moral se acomodará a ele, assim como os conceitos de existência e divindade.
Já houve época em que os homens viviam imersos em terror perpétuo, fruto de crenças difusas sobre sua origem e destino; a existência era algo absurdo. Tal conjunto de crenças recebia o nome de “Religião” e assolou o mundo por dezenas de séculos. A Religião se fundamentava em dogmas, um deles a “fé-cega”, criando uma incompatibilidade com um mundo em evolução, em busca de respostas concretas para os questionamentos essenciais. Naquele tempo, Religião e Ciência estavam apartadas. Formavam uma bifurcação conflitante que ignorava seu tronco comum. Não se atentava à verdade de que as duas são complementares: a Religião tinha razão até o ponto em que afirmava que a origem do homem se devia a uma entidade inteligente: o homem foi criado. A razão da Ciência estava em questionar os moldes de “entidade inteligente” pregada pela Religião, além de procurar entender os meios usados para originar a vida. E o tempo passou... A evolução científica trouxe a possibilidade da criação de clones humanos, trouxe o dom de co-criação ao homem. Nesse estágio de capacidade criativa, a ideia de que a humanidade talvez também fosse fruto de uma raça cientificamente superior deixou de soar tão absurda. Em decorrência disso, a afirmação religiosa de que o homem fora criado por uma entidade inteligente passou a fazer sentido, e a questão crucial para a Ciência passou a ser “quem seria essa entidade ou raça cientificamente superior”. Iniciava a convergência entre Ciência e Religião e a derivação de novas práticas científicas mais integras.
A anos-luz de qualquer babel de conceitos, nossa época é de síntese. Houve mudança naquilo que a Religião pregava; ou melhor, na forma como pregava. Seus dogmas ruíram. O conceito “Todo Poderoso” foi transmutado. Outrora, ele dizia respeito não apenas à entidade que havia criado terra, céu e mar, mas também engendrado a raça humana. Mas num vasto universo, onde o conjunto da obra se perpetua pela obra numa escala de avanço científico, não nutrimos mais a ilusão de sermos intervenção direta da Entidade Suprema, de onde tudo emana, inclusive nossos próprios criadores diretos. Estes, muito embora possuidores de um nível de sofisticação científica superior na moldagem da argila sonora, ao ponto de nos aperfeiçoarem a partir de símios que vagavam pela Terra, também são obra Dele, do sempiterno, que não teve princípio nem há de ter fim e habita o inacessível a conceitos humanos. “Incognoscível” é um de seus nomes.  O Deus supremo, todo poderoso, permanece como entidade incognoscível que, há éons inconcebíveis, fez concessão do poder co-criativo que Dele emanou, cobrando apenas os “royalties” de retidão moral taxados pelos mensageiros que eventualmente nos envia.
Quanto a nós, não somos mais simples reprodutores. Somos co-criadores!  Co-criadores de nós mesmos através da inteligência, para além da mera reprodução biológica. Isso é evolução! Os meios eficientes para a clonagem humana já nos são banais. Sabemos, hoje, que nossa raça foi projetada com o intuito de povoar este planeta.
Agradecemos a nossos criadores que, em eras pretéritas, para além do limo dos oceanos e do pó dos desertos, empreenderam o investimento nesse canto esquecido da galáxia, e asseguramos que não os decepcionaremos como as raças dos projetos anteriores, que, temos notícias, foram expulsas do Jardim que habitavam por sua degenerescência moral.



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